Matou a mãe e xingou a imprensa

20-02-2011 18:15

LUIZ FLÁVIO GOMES*

Acabo de ver o vídeo  do sujeito acusado de ter matado a mãe e xingado a imprensa. Vamos partir da premissa de que tudo isso seja verdadeiro. O que nos importa é fazer algumas reflexões éticas. Que se entende por ética?

 

Ética é a arte de viver bem humanamente (Savater). A ética nos ensina a viver melhor. Nos ensina a fazer bom uso da nossa liberdade. Se você tem a preocupação de fazer da sua vida algo de bom, convém estar atento à ética.

 

 

Quem vive de qualquer maneira, alopradamente, pouco se importando com o mundo e com as pessoas, vive sem seguir qualquer tipo de regra ética.

 

Todos queremos uma vida boa (viver bem). O que esquecemos, muitas vezes, é que não existe a possibilidade de viver bem sem as outras pessoas. Os seres humanos, necessariamente, têm que se relacionar com outros seres humanos. Não há como pensar em viver bem, senão humanamente (relacionando-se com os outros).

 

Que graça teria você ser rico, poderoso, ter saúde, ter carros, ter tudo em termos materiais, ser estudioso etc. se você vivesse sozinho do mundo? Quanto tempo você suportaria isso sem ficar louco?

 

Nós não podemos querer todas as coisas ignorando ou eliminando nossas relações com as outras pessoas. Ao contrário: tudo na nossa vida (dinheiro, religião, fé, amor etc.) só faz sentido para que possamos nos relacionar melhor com as demais pessoas.

 

A boa vida humana só é boa quando implica relações com as outras pessoas. Se você se fecha para o mundo, você pode até ter vida, mas não é boa.

 

Os seres humanos querem ser humanos (não animais). Queremos sempre ser tratados como humanos, não como animais. A humanidade tem como eixo o que os humanos fazem com os outros humanos. Quem é tratado como bicho (como animal) normalmente se comporta como animal. Quem é tratado com desumanidade normalmente tem comportamentos desumanos.

 

A melancia nasce melancia. O macaco nasce macaco. Já o ser humano não nasce já um ser humano formado. Não nascemos prontos. Nós só vamos conquistando humanidade na medida em que nos relacionamos com as demais pessoas. Se as demais pessoas não me ensinarem a ser um ser humano, jamais conquistarei esse estágio (plenamente). Se sou tratado como um animal (assim são tratados os meninos de rua, os presos etc.), não aprendo a ser humano ou mais humano.

 

O ser humano não é só uma realidade biológica ou natural (como são as melancias, os macacos etc.). O ser humano é também uma realidade cultural (Savater). Não existe humanidade sem a aprendizagem dos valores culturais. Não existe humanidade sem a base da cultura, que é a linguagem. Se não me ensinam a linguagem humanista, os significados humanos das coisas assim como a interpretação hamanista das leis, nunca vou conseguir ser humano. A nossa comunicação é eminentemente cultural. Se os outros seres humanos não me preparam para essa comunicação, não há como esperar que eu seja um exemplo de humanidade.

 

Na medida em que tratamos as demais pessoas não como seres humanos, sim, como animais, temos que nos preparar para os ataques desses animais (e suportar os ônus dessa desumanidade). Pior: os que são tratados como animais têm pouco ou nenhum amor à vida.

 

A morte para eles é sempre iminente. A sombra da morte está presente em todo momento da sua vida. Matam outras pessoas (a mãe, inclusive) facilmente, porque vivem como se já estivessem mortos. Nessa situação, tudo dá igual: matar ou morrer, viver ou não viver.

 

Caros amigos: como bem diz Savater (Ética para Amador), “a vida é feita de tempo, nosso presente está cheio de recordações e esperanças… porém [para quem já perdeu o amor pela vida], não existe outra realidade, ele vive sem passado e sem futuro”. Ou seja: vive como se já estivesse morto!

 

A vida é feita de relações com as demais pessoas (somos filhos, somos pais, somos amigos etc.). Quando você vive como animal, sem nenhuma expectativa futura, você está hipnotizado pela morte. É assim que você sai por aí matando a sua mãe, o seu vizinho, os conhecidos, os desconhecidos… Quem planta desumanidade colhe desumanidade!